Tem dias na vida que o tempo fica feio, nebuloso, cinzento. O coração se encolhe, o estômago fica embrulhado, as mãos fracas e a única vontade que você tem é de se recolher. E pausar tudo. Mas a vida manda você seguir.
E você é obrigada, com o estômago fraco, fazer cara de forte. A sorrir para o vizinho, mesmo que isso lhe cause ainda mais dor no coração. E é obrigada a digitar, assinar, dirigir, cuidar, tratar, levar o aspirador para o conserto, pagar, responder mensagens, seguir em frente. Porque o mundo não pode parar só por causa do nó no seu estômago e do seu coração estraçalhado.
E tudo vai passar, você sabe, mesmo que não saiba como vai aguentar, se vai aguentar.
E o tempo - às vezes amigo, às vezes cruel - faz algumas dores diminuírem e outras aumentarem. Mas o tempo não está nem aí para a sua dor e, embora ele pareça estar congelado, o relógio segue infalível. Porque o tempo não tem tempo para esperar.
E então, fragilizada, você chora só porque o motoqueiro encosta no espelho do seu carro, porque aquela música toca no rádio, porque a sua amiga não atende o telefone no minuto que você mais precisa dela, porque o botão da sua camisa caiu. Chora pelo mendigo que pede esmola.
E nessa hora, passa por você uma pessoa saudável correndo na rua, um casal apaixonado, amigos gargalhando. E você chora mais ainda, lamentando as injustiças da vida, se esquecendo das coisas boas que você tem. E se esquece, também, que tudo vai passar, se entregando à eternidade que é cada minuto de sofrimento.
E quando você vai buscar o aspirador do conserto, o homem lhe sorri e, sem nenhuma lógica, a sua dor cede um espaço para um milímetro de esperança. E mesmo sem sentido, é o primeiro raio de luz que aparece no seu dia escuro. E quando o motoqueiro pede desculpas por ter encostado no seu espelho, você vê que o mundo não é tão injusto assim. E sua amiga retorna à ligação, o que faz o seu estômago se desembrulhar e seu coração voltar a ocupar o tamanho normal.
Mas aquela música volta a tocar no rádio e ela te lembra que você está triste. O farol fica vermelho e o tempo se fecha novamente. O mendigo passa pela sua janela, você abre e dá um trocado. Ele percebe suas lágrimas: “Deus te abençoe. Não chora não madame.” Você chora ainda mais, sem saber pelo que. E antes do verde do farol, ele lhe dá um grande sorriso, mais gengiva do que dentes, e diz: “A vida é muito bonita para você matar ela com sua tristeza, moça.” Você chora de alegria e de tristeza ao mesmo tempo. Por você, que acha que está triste, e por ele, que acha que está feliz.
Você arrisca uma música tocante. E vence: ouve até o final, com o coração inteiro e as mãos ainda mais firmes do que estavam antes do tempo se fechar. E percebe que o amargo nem sempre é amargo, e que crescer às vezes dói. E agradece ao relógio que não te permitiu parar, à vida que te mandou seguir, ao vizinho que te obrigou a sorrir, e a tudo que te mandou viver. E finca no peito a lembrança do poeta desdentado que te provou que a vida é muito bonita para matá-la com a sua tristeza ... e que ainda te chamou de moça.
Que lindo!