Ontem de manhã meu celular quebrou. A tela deu umas piscadas e depois de algumas horas apagou, do nada.
Tentei ignorar a pane, desliguei e liguei umas trinta vezes, insisti nos toques na tela com os dedos para cá e para lá, mas não adiantou. Era fato: o celular pediu uma trégua e não reagiu ao meu apelo.
Me questionei o porquê do desarranjo, se o aparelho, made in China, era moderno, não caiu no chão, não molhou. Não havia explicação lógica.
Levei para a assistência técnica perto de casa e o homem me disse: “Não é nada, isso aí. É só uma panezinha, espera um pouco que tudo volta a funcionar normalmente.”
Esperei, atenta, aguardando novidades, mas as notícias não eram boas: o bug, que se limitava ao hemisfério norte do aparelho, se espalhou e a tela inteira foi tomada pelo apagão. Entendi que a coisa era séria.
Sempre à minha vista e sob o meu domínio, o celular, de repente, decidiu se rebelar, me informando que o controle que eu tanto pensava exercer sobre ele era ilusório.
Fui novamente à assistência e lá deixei o aparelho para um diagnóstico. Voltei para casa com as mãos vazias e a sensação de faltar uma parte de mim. Deixei junto com o celular, meu calendário, minhas referências e o arquivo da minha vida nele depositado na confiança plena de segurança.
Fui me organizando enquanto voltei caminhando para casa.
Crises de abstinências me acometeram e fui obrigada lidar com a ansiedade que a limitação me impunha. Era difícil lidar com a nova situação.
Minha rotina ficou confusa. Me vi perguntando algumas vezes: “Quando teria o meu celular e minha vida de volta?” Aceitei a minha impotência e me conformei com a incógnita, pois não eram as minhas perguntas que o trariam de volta.
O silêncio substituiu os toques de ligações e sinais de mensagens. Não mantive as conexões usuais, não vi ninguém sorrindo no instagram, não tirei nenhuma foto para ser eternizada. A vida ficou deserta e o ar pareceu mais puro. Explorei esse deserto e fiz importantes descobertas. Minhas refeições à mesa de jantar ficaram mais longas. Tive conversas mais profundas e divertidas. Retomei a leitura do livro encostado. Minha mente reassumiu algumas memórias que havia terceirizado para o cérebro do aparelho.
O dia de privação pareceu interminável, pelo bom e pelo ruim que isso significa.
Dormi mais leve um sono pesado e acordei hoje, no day after, a hora que meu corpo pediu, sem o costumeiro toque digital matinal, que desde cedo me joga para dentro da rotina. Olhei para a tomada, como faço automaticamente todas as manhãs, e lembrei que meu celular não estava ali carregando suas energias para o extenuante trabalho diário.
Depois do café da manhã, em que li o jornal de ponta a ponta, peguei o telefone fixo para ligar para a assistência técnica. Antes de terminar de teclar os números, coloquei o fone de volta no gancho: quis sentir um pouco mais do novo ar despoluído.
Fiz algumas promessas para mim mesma e completei a ligação.
O orçamento, que tinha a aparência de um gráfico, me pareceu irreal. Perguntei o porquê do valor tão alto e pedi transparência dos números, que como consumidora tenho direito. O atendente me respondeu que era necessário trocar a placa, produto com muita procura ultimamente, cujo fornecimento beirava o colapso. Pedi para falar com o gerente, expliquei que o valor do reparo era quase o valor de um celular novo, e ele me respondeu um delicado: “E eu com isso?”.
Não contente, fui reclamar à fabricante do aparelho. Informaram-me que havia muitos outros cidadãos insatisfeitos. Mas que o contrato com a autorizada, eleita pela maioria do conselho, lhe garantiu uma soberania na região por quatro anos.
Sem outra opção, tive que aceitar esse poder soberano, e aprovei o serviço.
Daqui a pouco vou buscar meu celular. Enquanto isso, me concentro para interiorizar as minhas promessas - que não prometo cumprir - incluindo a de terminar o livro e deixar ativas as antenas que a normalidade bloqueia.
Dificil de acreditar que so uma geracao atras, as pessoas sobreviveram e prosperaram sem um celular. Mas sem duvida havia outros vicios. Natureza humana, mas nao sem esperanca. Nos sempre temos escolhas. Nao sempre gostamos das opcoes, mas sempre as temos.
Sofri, fiquei ansiosa e com o coração levemente acelerado lendo q vc voltou pra casa sem celular....se fosse eu, acho q teria q ligar pro meu psiquiatra!!! Massss o tel dele fica guardado na agenda do celular!!! Socoooorrrrooooooo!!!!
Estamos dependentes total do celular, ele carrega nossa vida dentro e a gente só percebe isso qdo não está com ele nas mãos!! Absurdo, mas verdade!
fico assim com o ps4
Excelente metafora!
Dificil de acreditar que so uma geracao atras, as pessoas sobreviveram e prosperaram sem um celular. Mas sem duvida havia outros vicios. Natureza humana, mas nao sem esperanca. Nos sempre temos escolhas. Nao sempre gostamos das opcoes, mas sempre as temos.
dificil vida sem celular, poderia ter tentado o "novo normal" kk
Sofri, fiquei ansiosa e com o coração levemente acelerado lendo q vc voltou pra casa sem celular....se fosse eu, acho q teria q ligar pro meu psiquiatra!!! Massss o tel dele fica guardado na agenda do celular!!! Socoooorrrrooooooo!!!!