Louça suja, pratos para todos os lados, toalhas de banho no chão, camas desarrumadas, areia nas camas desarrumadas, potes de requeijão sem tampa na geladeira, pelos nos sabonetes, seis protetores solares abertos, sungas salgadas penduradas no varal por um barbante.
Será que ninguém mais percebia aquela bagunça? Sim, eles percebiam. Pior: não se incomodavam.
Férias com a família numa casa de praia. Por família entenda-se: cinco marmanjos, dois amigos dos marmanjos e o marmanjo pai. Total, oito homens e uma mulher, incluindo eu.
Nos primeiros dias eu chegava da praia e, quase que instintivamente, ia direto para a cozinha lavar a louça do café da manhã e, enquanto o almoço ficava no fogo, eu esticava as camas, catava bermudas pelo chão, fechava as tampas das pastas de dente, colocava a mesa do almoço, mexia o arroz na panela, tirava a areia da sala e falava no telefone com amigas. Tudo ao mesmo tempo, coisa que homem nunca vai entender. Enquanto isso, os homens sentados com suas sungas molhadas no sofá, eram abduzidos por seus celulares. Não raciocinavam, nem sentiam, coisa que mulher nunca vai entender.
Os meninos se divertiam tirando sarro um do outro, se socando, empurrando, dando caldo no mar, soltando pum (um importante traço de virilidade), se alegrando com a derrota do time adversário.
A saga se repetia progressivamente. Ninguém ajudava, ninguém agradecia e alguns ainda reclamavam quando a comida demorava para chegar à mesa. O sistema foi, assim, se estabelecendo com uma espantosa aparência de normalidade.
Lá pelo terceiro dia enquanto todos roncavam na sala e eu recolhia os restos de pipoca no sofá, percebi a fragilidade do sistema. Decidi colocar ordem na casa, ou melhor, deixar de colocar ordem na casa, para colocar ordem no sistema. Acordei os rapazes aos berros e fiz o meu discurso feminista. Silêncio e olhares assobiadores. Fui além, agreguei ao meu protesto ideias separatistas. Informei que não mais compartilharíamos o mesmo espaço e que cada um cuidaria do seu. Era isso ou encurtar as férias. Mais silêncio. O que me fez considerar que a nova política estava, democraticamente, instaurada.
A casa foi repartida em duas alas, a feminina e a masculina, e as tarefas distribuídas equitativamente. Eu cuidava do meu terreno com tranquilidade e quando circulava pelo terreno vizinho passava por cima das toalhas no chão sem titubear.
Não demorou para a ala Y clamar por menos independência e recorrer à ala X em busca de ajuda. O banheiro feminino foi invadido por caçadores de shampoo (condicionador para eles não existe), papel higiênico, cortador de unha, Bandaid, toalha limpa. Permaneci firme e reiterei a proibição deles entrarem no meu domínio sem a minha permissão, o que significava boas trocas.
A comida não vinha mais sozinha à mesa, eles entenderam. Descobriram também que roupas não se levantam sozinhas do chão, que requeijão dentro de pote aberto endurece, que cadeira não é varal, que tecido de sofá molha, que se deixar fora da geladeira estraga, entre outras obviedades.
Começaram a me tratar melhor, ouvi alguns ‘por favor’ e muitos ‘obrigado’ e, aos poucos, foram se prontificando a ajudar em funções que não eram deles.
Vale dizer que a conversa mais profunda que tive nessa temporada foi com a moça da peixaria. Meu freezer se encheu de linguados, tilápias e robalinhos, que serviram para alimentar bocas e nutrir a minha amizade das férias.
Justamente quando estava tudo no mais perfeito equilíbrio (para mim), eles foram ficando implicantes. Começaram a levar a sério demais a limpeza e as tarefas. Ficavam histéricos com um grão de areia no chão. Uma chatice! E ainda deram para ficar sentimentais, me chamando de mal agradecida quando eu não elogiava o ovo cozido do jantar, choramingando que faziam tudo por mim e pela família, nhem, nhem, nhem.
Às noites, com eles exaustos, eu conseguia assistir às minhas séries e ler meus livros com tranquilidade, coisa que só boas férias conseguem nos proporcionar.
Meninos, foi ótimo, estou contando os dias para as nossas próximas férias!
'SUMEMO! Escuto de muitas mulheres sobre a absoluta "incapacidade dos homens/meninos para tarefas domésticas" e isso é uma mentira. Vejo muitas mães que querem se sentir ultra necessárias e acabam removendo toda e qualquer responsabilidade dos filhos e do marido sobre o bem-estar da casa e da família. E o resultado é óbvio: quando você nunca passou pela experiência de cozinhar, não tem como reconhecer o trabalho que dá. Por mais bem-intencionado que o rapazinho seja, até ele mesmo cortar os legumes, fritar os bifes, e depois lavar a louça disso tudo, não vai saber agradecer e valorizar. E é isso, "tu te tornas eternamente responsável pela louça que sujas".
Espero espero espero ansiosamente sair o próximo texto e engulo ele em 2 minutos....parece ate que sai de dentro da gente tamanha a identificação com eles...Adoro!
Como sempre, um texto maravilhoso e divertido Becky! Quem aguenta né? Arrumar sozinha as coisas de 8 marmanjos! Também sou em minoria em casa e dou minhas surtadas e não entendo certas coisas dessa mente masculina hahaha
'SUMEMO! Escuto de muitas mulheres sobre a absoluta "incapacidade dos homens/meninos para tarefas domésticas" e isso é uma mentira. Vejo muitas mães que querem se sentir ultra necessárias e acabam removendo toda e qualquer responsabilidade dos filhos e do marido sobre o bem-estar da casa e da família. E o resultado é óbvio: quando você nunca passou pela experiência de cozinhar, não tem como reconhecer o trabalho que dá. Por mais bem-intencionado que o rapazinho seja, até ele mesmo cortar os legumes, fritar os bifes, e depois lavar a louça disso tudo, não vai saber agradecer e valorizar. E é isso, "tu te tornas eternamente responsável pela louça que sujas".
Quando tem o próximo capítulo
Muito bom Be! Quando penso na loucura da sua casa com tantos meninos e amigos me lembro da guerra de caquis que presenciei uma vez. Surreal, kkk!!!
Espero espero espero ansiosamente sair o próximo texto e engulo ele em 2 minutos....parece ate que sai de dentro da gente tamanha a identificação com eles...Adoro!
Como sempre, um texto maravilhoso e divertido Becky! Quem aguenta né? Arrumar sozinha as coisas de 8 marmanjos! Também sou em minoria em casa e dou minhas surtadas e não entendo certas coisas dessa mente masculina hahaha