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SIMPLES ASSIM?

Foto do escritor: Becky KorichBecky Korich

08.setembro.2020


Há algum tempo, viralizou na internet um meme, feito a partir de uma entrevista com um Mineiro, de Alterosa, que completava 100 anos de vida.

Perguntado por uma repórter qual era o segredo da longevidade, o centenário respondeu, num misto de simplicidade e genialidade:

- É só não morrer!

Essa resposta virou um meme musicalizado com um remix, um ritmo daqueles chatos, que insistem em não sair da nossa cabeça. Igual a todas aquelas coisas que quanto mais tentamos nos livrar, mais se apossam de nós.

Me livrei da melodia mergulhando na letra do refrão do hit: “É só não morrer, ê, ê".

Meu primeiro pensamento foi: óbvio, é só viver sem preocupações, simples assim. Não demorou nenhum segundo para eu constatar a infantilidade dessa ideia. Bobagem, mera retórica. Afinal, não é por decreto que se conquista essa tal simplicidade e quem é verdadeiramente simples não se ocupa com essa preocupação.

O fato é que atingir essa singeleza não é fácil, exige muito trabalho, porque, por mais paradoxal que pareça, complicar é sempre mais fácil.

Leonardo da Vinci já sabia, a despeito da grandiosidade de seus inventos e descobertas,  o que só mentes complexas conseguem entender: “Viver com simplicidade é o último grau da sofisticação humana.”

Seu João, segundo a reportagem, “foi carreiro, boiadeiro, já pescou no Mato Grosso e ainda faz rapadura, tudo com muita alegria.”

Certamente não lhe faltaram problemas e desafios na sua jornada. Mas continua fazendo rapadura. E com muita alegria.

Mora na mesma casa há oitenta anos, faz a sua própria comida no fogão com suas panelas antigas.

O prato de arroz, feijão, couve e tomate que o Seu João come com gosto, são o carboidrato, cálcio e licopeno que digerimos como fonte de cura. As panelas de barro e de ferro são as cobiçadas Le Creusets e Staubs da vida.

Na entrevista, o Seu João revela que seus maiores tesouros são a família e as árvores que ele plantou. E acrescenta: “até hoje foi uma vida serena, só amizade e companhia, não briguei com ninguém, ninguém me amolou”.

Será tão simples assim construir uma família amorosa, plantar árvores e não ser amolado por ninguém? Meu sonho de consumo.

A maioria de nós tem, dentro de si, dois sonhos concomitantes: um da simplicidade e paz, e o outro do sucesso, status e riqueza. O primeiro aceita nossa condição e limites e constrói alguma felicidade em cima do que se tem. O segundo é um desejo mutante, indefinido e insaciável que provoca a sensação de sempre faltar mais.

Mas a vida não é questão de tudo ou nada. A imperfeição não é uma falha, a falha está no ideal da perfeição.

“A simplicidade é o que há de mais difícil no mundo: é o último resultado da experiência, a derradeira força do gênio.” A frase é atribuída a George Sand, pseudônimo usado pela pensadora e escritora francesa Amandine Lucile Aurore Dupin (que, para ser lida com mais liberdade, tinha que ter nome de homem).

Talvez o segredo seria conseguir satisfazer o essencial e cultivar a arte de fazer uma festa tranquila, com pouca coisa; saber desejar o certo ou saber desejar um pouco menos. E desejar menos não significa se contentar com o ‘básico’, quer dizer, apenas, se sentir preenchido com as poucas coisas enormes que escolhemos.

Notei, na entrevista, que o Seu João não mencionou a palavra ‘felicidade’. Mais um sinal da sabedoria de um centenário.

A busca desvairada pela felicidade azucrina nossa vida.

Se tem algo que mais se aproxima da (minha) ideia de felicidade, é o sentido que damos à nossa existência. E como a vida é feita de momentos, esse sentido às vezes nos escapa, apesar da vontade de nos agarrarmos à felicidade nos momentos que ela vem, e aprisioná-la para nunca mais fugir. O problema é que, presa, a felicidade ficaria triste.

Os Seus Joões que encontramos no nosso caminho nos provam que a vida não é o que acontece com a gente. É o que a gente faz com o que nos acontece.




 

1 comentario


Ben Korich
Ben Korich
14 oct 2020

ei eu que te mostrei

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