Semana passada nós comemoramos o Dia Nacional do Amante. Prefiro entender amante como aquele que pratica o ato de amar. A incompletude humana (uma bênção!) nos move à busca incessante pelo amor. Comemoramos, portanto, o dia de todos nós: amantes, porque viventes. Podemos amar uma ideia, um livro, um esporte, uma música, um pet. Mas é imperioso amar pessoas, para que possamos continuar a amar todo o resto.
É o amor que nos salva da banalidade. Ambíguo e contraditório, só ele consegue ser generoso e narcísico ao mesmo tempo, fazer matéria bruta e refinada se fundirem, fazer loucura e lucidez caminharem de mãos dadas.
Amamos por muito ou por muito pouco. Pelo cheiro, pela voz, pelo olhar, pelo jeito de rir, pela substância misteriosa que os poros exalam, pela umidade do ar que a pessoa expira. Amamos a perfeição inventada no outro. Os dentes desalinhados, a timidez, o calo na mão, a ruga da testa, o furo na camiseta, o caminhar torto.
Não precisa ser igual, mas não dá para amar quem não goste de músicas que nos arrepiam ou que morra de rir de piadas sem graça . Não dá para amar quem ama demais a si próprio. Não dá para amar quem não faça gargalhar, mas é impossível um amor que não faça chorar. Não existe amor sem paz, mas não existe amor sem inquietação, e não existe amor que não restitua a paz que ele mesmo roubou. Não existe amor sem segurança, mas não existe amor sem uma dose de medo e de ciúmes. Não existe amor que não arrepie, não enraiveça, não envaideça, não enrubesça. Não existe amor se for pouco amor.
Acontece que só o amor não basta para ser amor. Tem que ter inteligência, tem que ter coragem. Saber que ele é mutante, que não é binário, onde se ama ou não se ama. Tem que aguentar as chatices, as babaquices, a rotina, as carências, a falta de dinheiro, as inseguranças, os fedores. Tem que ser capaz de amar nas horas em que a pessoa menos merece ser amada. Tem que saber amar, querer amar.
Amar é escolher e ser escolhido todos os dias - e conseguir comemorar o dia dos amantes todos os dias do ano.
Publicado na Folha de São Paulo de 22.setembro.2022
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