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A CASA DA VÓ

Foto do escritor: Becky KorichBecky Korich

02.março.2022


Na casa da vó tem muitos doces: pirulitos, balas, palavras, olhares, afagos. É o lugar de onde se sai feliz, mesmo quando se entra triste. O lugar do “está tudo bem”, do “você é especial”, das pseudo broncas, dos beijos babados dos avós babões.

Casa de vó tem móveis clássicos e lustres pomposos. Capa nos sofás, cristaleira, samambaia, cortina de voil, toalha de renda. Louças e relíquias antigas, para nos lembrar que antigo não é sinônimo de velho e que, assim como os avós, os verdadeiros tesouros se tornam mais preciosos com o tempo.

A casa da vó está sempre cheia. Primo, tio, vizinho, encanador. E mesmo quando não tem gente, ela nunca está vazia. Porque tem milhões de memórias nas fotos desbotadas dos que vieram antes, e trilhões de esperanças nas fotos coloridas dos que deles foram gerados.

Tem cheiros e sabores que só casa de vó tem. Um cheiro sei lá do que, um cheiro indescritível. De casa limpa, bem cuidada, de rosas: das flores, no vaso; de água de rosas, na cozinha; de colônia de rosas, na pele. Tem sabor de comida cremosa, fritura, refrigerante, gordura saturada, tudo que faz mal ... e como faz bem. A casa da vó, tanto faz a comida, tem sabor do que a gente quiser.

Tem mais livros do que telas. Livros que foram lidos, livros que são livros, não cenário ou decoração. Tem tabuleiro de xadrez, gamão, baralho de cartas Copag.

Lá o terreno é livre, onde os netos, com sua sabedoria inventada, acreditam e se gabam por saber tudo. Enquanto os avós, disfarçando sua sabedoria, fingem acreditar que não sabem nada da vida. E fingem tão bem que acabam aprendendo dos netos, e aprendendo deles, os ensinam que nunca se deixa de aprender na vida.

Lá se pode falar de tudo: porque a casa da vó tem ouvidos que sabem escutar: sim, porque lá tem raridades.

É lá que os netos falam mal dos pais com a conivência dos avós. É lá onde primos viram irmãos. É onde se consegue presentes fora de época e massagens intermináveis. É onde os netos obtém vantagens abusivas, em que os que mais levam vantagens são os avós.

Na casa da avó tem um sotaque diferente. De um lugar longínquo, de um tempo longínquo. Um sotaque com histórias, que fala por si. Mas tem também as histórias contadas, que fazem arregalar os olhos dos netos e os levam para viajar para aqueles sotaques longínquos.

Vale tudo na casa da vó. Brincar com a careca do vovô, se fantasiar com as roupas da vovó, tomar banho de espuma, pular na cama dos avós. Os mais liberais deixam até riscar a parede com giz de cera. Só não vale destruir, desrespeitar. Jamais! Porque lá é o palácio, onde os netos são reis. E por serem reis, desejam brilhar. E por desejarem brilhar, tiram o melhor de si. Eles sabem que esse palácio é também um santuário, uma escola, um núcleo, um ninho. O centro do amor. Porque a casa da vó, tem avós.


 

6 Kommentare


Bianca Goto
Bianca Goto
04. März 2022

Passei por aqui para ler o que dentro de mim já foi resolvido, mas que no passado era angustia...

Cresci querendo esse tipo de vó e ao crescer me deparei com a terapia que me fez entender que não teria como minha vó me dar algo que nunca teve...

Obs bem importante: tataravós japoneses e rigorosos, onde até o abraço foi uma barreira

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Bianca Goto
Bianca Goto
04. März 2022
Antwort an

Obrigada pelo espaço ❤️

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